29 de agosto de 2011

John Haines



"O domínio físico do campo tinha seu equivalente em mim. As trilhas que eu fazia conduziam para fora, aos morros e pântanos, mas levavam para dentro de mim também. E do estudo das coisas no caminho, e de ler e pensar, veio uma espécie de exploração, eu e a terra. Com o tempo, ambos se tornaram um em minha mente. Com a força de acumulação de uma coisa essencial se realizando a partir do chão primeiro, encarei em mim mesmo um anseio apaixonado e tenaz - abandonar para sempre o pensamento e todas as complicações que traz consigo, tudo menos o desejo mais próximo, direto e penetrante. Tomar a trilha e não olhar para trás. A pé, com raquetes de neve ou de trenó, nos morros de verão e suas sombras tardias entregelantes - uma marca alta nas árvores, um rastro na neve mostraria para onde fui. Que o resto da humanidade me encontre, se puder!"


John Haines em "As Estrelas, A Neve, O Fogo: 25 Anos nas Regiões Selvagens do Norte"

24 de agosto de 2011

Viajando com Charley



We don't take a trip, the trip takes us. É com esta sentença agradável que John Steinbeck afirma com sabedoria este complexo entusiasmo que nos permite sempre sonhar em viajarmos desbravadoramente. Relatos de viagens e aventuras são como um ar fresco em nosso cotidiano, nossa prisão mental e nossa condição de sobrevivência a qual estamos atrelados. Elas possibilitam viver "o agora", o real significado da felicidade contemplativa, longe dos planos ordinários que sempre perseguem ilusoriamente a felicidade no futuro.

Viajando com Charley é um ótimo livro "leve e simpático" que resume muito bem o papel de um observador sagaz pela mistura de conhecimento e contemplação da vida - na verdade para qualquer viajante (mochileiros, trekkers, cicloturistas) a arte de viajar é semelhante a um bloco de notas vazio que pretende ser preenchido com grandes e inesperadas histórias.

Aos 58 anos, o escritor já era reconhecido como um dos grandes da literatura norte-americana. No prefácio deste travel book, uma breve divagação sobre como a idealização pela viagem transcorre pela chama de sua juventude e nunca morre com o avanço da idade - para alguns isto é tratado como um sonho pueril que ilusoriamente morre na juventude, para outros menos corajosos sempre há uma boa desculpa para a inércia cotidiana. Em especial ao trabalho do escritor, estes seres estão condenados ao sedentário trabalho de bunda na cadeira e escritório silencioso. Logicamente Steinbeck não fazia parte deste grupo, e boa parte de seus livros foram escritos em épocas de vagabundagem e um vasto conhecimento territorial e cultural dos Estados Unidos. Por ironia do destino, este homem amadurecido estava confortável em sua casa aconchegante à beira de um lago em Long Island com sua família, indiretamente esperando a morte chegar lentamente... enquanto no ano de 1960 sua América estava na entrada de um novo círculo conturbado de um presságio revolucionário de grandes mudanças: contra-cultura, Bob Dylan, Martin Luther King, Vietnã, Guerra Fria e o sonho americano do progresso desenfreado. É exatamente desta forma que o impacto deste diário de viagem serve como um relato histórico de pressentimento de novos ares e impressões deixadas em primeira mão deste escritor curioso.

- Resumidamente, ele documenta a viagem que teve com seu estimado poodle francês Charley em torno dos Estados Unidos, em 1960. Descreve como era movido por um desejo de ver seu país em um nível pessoal, já que ele ganhava a vida escrevendo sobre ele. Ele tinha muitas dúvidas entrando em sua jornada, sendo a principal delas: "Quem são os americanos de hoje?" No entanto, ele considerou que a "nova América" não fez jus às suas expectativas.

-De acordo com Thom Steinbeck, filho mais velho do autor, o verdadeiro motivo da viagem foi que Steinbeck sabia que estava morrendo e queria ver seu país pela última vez. Thom diz que ficou surpreso que sua madrasta (esposa de Steinbeck) permitisse que ele fizesse a viagem; por causa de sua condição de coração ele poderia ter morrido a qualquer momento.

Programado para viajar em um feriado, venceu o grande furacão Donna que poderia provocar o adiamento ou até o cancelamento dos planos - tal acontecimento rendeu a incrível façanha de salvar seu barco no meio do furacão. John começa o livro, descrevendo seu desejo de viajar ao longo da vida e seus preparativos para viajar o país novamente, após 25 anos. Tinha um caminhão equipado e carinhosamente chamado de Rocinante (o cavalo de Don Quixote) com um personalizado "motorhome" na carroceria e planejava sair depois do Dia do Trabalho de sua casa em Sag Harbor, Long Island. Analogias implícitas, o desbravador "velho e sonhador" nos moldes de Quixote e seu Rocinante também deveria ter a companhia de um amigo inseparável ao molde de Sancho Pança: seu cachorro sensitivo Charley que também é um personagem que rende momentos divertidos na leitura. Paralelamente a descrições de estrada, paisagem e estados de espíritos dos três heróis, Steinbeck nos fornece importantes reflexões de cunho social, político, ambiental e cultural.

Das impressões iniciais, em devaneio a excitação do começo da viagem, o autor sempre gosta de parar em pequenos postos e restaures de beira de estrada, para filtrar a comunicação com os habitantes de cada local. Sempre que falava de sua aventura recebia respostas surpresas de admiração e um tipo de inveja saudável de pessoas que desejam ardentemente saírem do cotidiano (o autor usava um quepe da marinha para não ser reconhecido).





Na verdade, Steinbeck nunca foi o tipo de conservador retrógrado, bucólico ou algo como ruralista - muito menos um progressista defensor do universalismo politicamente correto. Comparando ao seu admirador inglês George Orwell, os dois tinham muito em comum, porque estavam além da dicotomia esquerda-direita sócio-política: eram defensores ferrenhos da liberdade individual (libertários), críticos ferrenhos das religiões organizadas e do misticismo, tinham um visão bem prática acerca da realidade, adoravam a natureza e a vida selvagem mas não as idealizavam de forma fantasiosa. Os receios ao avanço tecnológico e comunicação massificada não vinham de uma ideia ultrapassada nem medrosa, e sim porque os dois (Orwell e Steinbeck) tinham cacife suficiente da má utilização e do desenfreado progresso dessa convulsão civilizatória ausente de qualidade e de um significado maior. Desde As Vinhas da Ira que essa complicada relação já era tratada, e os impactos no modo de vida das comunidades rurais e pequenas cidades com sua própria organização e cultura. De fato não se trata de posições ingênuas, mas de um farto conhecimento e observação no qual a leitura desta viagem comprova enfaticamente quando o autor entra em uma cidade grande e depois contrasta aos subúrbios e adentrando a vida rural. É aquela relação da migração e de povos que buscam viver o sonho ilusório das grandes cidades - a decadência de grandes centros urbanos que não conseguem lidar com tamanha necessidade de saneamento e qualidade de vida - e a consequente perda de senso de vida em comunidade. Particularmente, o que há de mais especial nesses relatos é o modo como o autor retrata o caos metropolitano, a sujeira, a correria e a solidão da multidão - antagonicamente ao modo de vida pacato das pequenas cidades, seus costumes ainda vivos, mas não mais intactos pela ameaça propagandista de um sonho urbano.

Além de tudo isso, temos grandes momentos de humor na relação com Charley, na sua capacidade de sentir o humor do seu dono e como os dois acabam compartilhando bons e maus dias na estrada. Paisagens naturais descritas com muita precisão e conhecimento, que deixam o leitor provavelmente bem interessado em conhecer pessoalmente tais lugares - por exemplo o belo Estado de Montana. Até a metade do livro, já percebemos a característica de jornalismo nato do autor, quando faz questão de conversar e observar os moradores de cada cidade. Traça paralelos de uma empatia com velhos agricultores, simpatia por trabalhadores, uma reflexão sobre o esporte de caça, uma antipatia com guardas rodoviários e um importante atestado de como o fator "medo" está tão presente nos habitantes de grandes cidades. Por exemplo, no percurso para Niágara Falls e algumas cidades do Centro-Oeste, ele pegou um desvio e se viu discutindo o seu desagrado pelo governo. Ele diz que o governo faz uma pessoa se sentir pequena, porque não importa o que você diga, se não for em papel e certificado por um funcionário (burocracia), o governo não se importa. Explica como estranhos falavam livremente sem cautela como uma sensação de saudade de algo novo e estar em algum lugar diferente do lugar que eram. Eles estavam tão acostumados com a vida cotidiana que, quando alguém novo vinha à cidade, estavam ansiosos para explorar novas informações e imaginar novos lugares. Era como se uma nova mudança tivesse entrado na sua vida cada vez que alguém de fora da cidade entrasse em seu Estado.

Viajando mais, John descobriu que a tecnologia foi avançando rapidamente com o propósito de dar a mais e mais americanos satisfação instantânea. Desabafa: "Eu me pergunto por que o progresso se parece tanto com a destruição." - uma fria conclusão acerca da carência qualitativa frente a riqueza quantitativa do seu país. Indo em direção aos Estados tradicionais do Sul, uma bela paisagem deixa a viagem mais bela: a contemplação da gigante e milenar Sequoia, e como ela faz o homem se sentir tão pequeno. Na chegada ao Texas, Steinbeck explora essa relação de amor e ódio ao Texas e na reação das pessoas constata uma verdade da política contemporânea: não existe mais ideal no político, onde todos transitam numa moral cinzenta e desvitalizante de democracia e senso comum, falta-lhe coragem suficiente para defender suas ideias por mais absurdas que sejam - um autêntico tapa na cara da fraqueza individual da chamada social-democracia moderna.





Já no final de seu percurso, ficamos de frente com uma questão histórica pela qual o país passava: os conflitos raciais. Mais precisamente em Nova Orleans, muita confusão acontecera devido a polêmica inclusão de jovens negros em escolas. Foi o começo de uma revolução que mudaria o rumo da história através de Martin Luther King. Mais precisamente Steinbeck fora filtrar informações dos acontecimentos em busca das chamadas "cheerleaders" (senhoras brancas conservadoras que faziam escândalo em frente as escolas - atraindo a atenção da mídia sensacionalista) que protestavam contra a integração de crianças negras em uma escola em Nova Orleans. Encontrou então o racismo do Sul e logo descobriu que o racismo não era só para os negros, mas também em relação aos judeus. Steinbeck, em seguida, experimentou o "bestial e sujo" do lado cristão branco e relatou com minuciosidade as atitudes histéricas das senhoras e do povo racista quando as meninas negras entravam na escola.

Com os aplausos e o elogio da multidão, Steinbeck percebe que não havia pessoas sensatas na cidade e que tinham "deixado a imagem de Nova Orleans deturpada para o mundo". Após o incidente, enjoado com os acontecimentos não desejava visitar alguns de seus lugares favoritos, temendo os radicais. Em busca de um lugar isolado, ele se sentou ao lado do "pai das águas", o rio Mississipi, e encontrou um homem que participara daquilo tudo como um observador. Depois de dar uma carona para um homem desconfiado, um aluno negro com raiva, e seguidamente para um homem branco racista, Steinbeck concluiu que as pessoas do Sul estavam com medo de mudar seu modo de vida, assim como eram os filhos da Londres do pós-guerra, e que a maioria das pessoas do Sul se mantem neste medo da mudança, apesar das obras dos inspirados em Gandhi e Martin Luther King.

Para declarar a sua própria posição, Steinbeck conta a história de uma família de negros conhecidos por ele durante sua infância em Salinas, Califórnia - a família Cooper. O Sr. Cooper era trabalhador, honesto, sóbrio, respeitável e os filhos acadêmicos e artisticamente dotados. Em outras palavras, eles representavam uma antítese das calúnias racistas que o autor tinha ouvido falar durante suas viagens ao sul. Seria então um incomodo fruto de uma decadência da até então sociedade elitista incomodada pelas mudanças igualitárias?

A jornada de Steinbeck conclui com um inferência ao Rocinante através de uma movimentada rua de Nova York, durante uma tentativa fracassada de fazer uma inversão de marcha. Como ele diz a um policial de trânsito: " Senhor...eu dirigi essa coisa por todo o país - montanhas, planícies, desertos. E agora estou de volta na minha própria cidade, onde moro. - E eu estou perdido”.


Texto: Eduardo Rodrigues

17 de agosto de 2011

On the Road


“...Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira vão chegar onde pretendem – e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles tem que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explicita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles. Eles sabem disso, e isso também os preocupa num circulo vicioso que não tem fim”.

Jack Kerouac em "On the Road"

15 de agosto de 2011

Caninos Brancos



"A floresta de abetos escuros orlava ambos os lados do gelado curso de água. Um vento recente arrancara às árvores o seu manto de geada, e elas pareciam inclinar-se umas para as outras, negras e agourentas, na luz agonizante.
Reinava sobre a paisagem um silêncio imenso. Aquela região era desolada, sem vida, sem movimento, tão só e gelada que a palavra tristeza não chegava para a descrever. Havia nela uma sugestão de riso, mas de um riso mais terrível que qualquer tristeza - um riso sem alegria, como o sorriso da esfinge, um riso frio como o gelo e com algo do horror da infalibilidade.
Era a sabedoria despótica e incomunicável do riso eterno perante a futilidade e os esforços da vida. Era a terra ártica, agreste e gelada."


Jack London em "Caninos Brancos"

12 de agosto de 2011

As Portas da Percepção



"O homem que vem cruzar de novo a porta da muralha jamais será igual ao que partira para esta viagem. Será, daí por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com a própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas,entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele busca, sempre em vão, compreender."


Aldous Huxley em "As Portas da Percepção"

9 de agosto de 2011

O Deserto



"O deserto é um ambiente de revelação, estranho genética e fisiologicamente. Sensorialmente austero. Esteticamente abstrato. Historicamente hostil.

Suas formas são nítidas e sugestivas. A mente é assediada por luz e espaço, a novidade cinestésica da aridez, alta temperatura e vento.

O céu do deserto é abarcante, majestoso, terrível.

Em outros habitats, a linha do céu acima do horizonte é quebrada ou obscurecida; aqui, junto com a parte acima da cabeça, é infinitamente mais vasta do que a do campo ondulado e a das florestas.

Num céu desobstruído, as nuvens parecem mais imponentes, refletindo às vezes a curvatura da Terra em suas concavidades inferiores. A angulosidade das formas terrestres do deserto empresta uma arquitetura monumental tanto à terra como às nuvens.

Ao deserto vão profetas e eremitas; pelo deserto cruzam peregrinos e exilados. Aqui, os líderes das grandes religiões buscaram os valores terapêuticos e espirituais do retiro, não para fugir da realidade, mas para encontrá-la."



Paul Shepard em "Homem na Paisagem: Uma Visão Histórica da Estética da Natureza"

Brasil terá estação científica no interior da Antártida

Atual estação Comandante Ferraz que fica a 62º, a nova estação
ficará a 84º de latitude sul.


O Brasil deve iniciar em dezembro a instalação do seu primeiro módulo científico no interior do continente antártico. A unidade conterá sensores que enviarão, via satélite, dados meteorológicos e ambientais ao País. Será a primeira estação brasileira dentro do continente gelado. A Estação Comandante Ferraz, criada em 1984, fica na chamada Antártida Marítima, na Ilha Rei George, a 130 quilômetros do continente.

O coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, Jefferson Simões, afirma que o módulo ficará a 84° de latitude sul, a cerca de 500 quilômetros do Polo Sul geográfico. Comandante Ferraz está a 62° de latitude sul.

A nova estação recolherá informações sobre temperatura, ventos, radiação solar e umidade. Também medirá os níveis de material particulado e gás carbônico que chegam ao continente.

Os cientistas brasileiros vão aproveitar a viagem para realizar uma exploração glaciológica: levarão uma sonda para perfurar 100 metros na camada de gelo. "Poderemos analisar a história climática dos últimos 500 anos", explica Simões, primeiro glaciólogo brasileiro e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).