9 de novembro de 2011

O Chamado Selvagem


‎"Há um momento de êxtase que marca o ponto mais alto e inexcedível da vida. É um paradoxo que esse momento chegue exatamente quando nos sentimos mais vivos, embora inteiramente inconscientes de que estamos vivos. Esse momento é conhecido dos artistas. E também do soldado que, enlouquecido pela guerra, mesmo num campo cercado, se nega a render-se."


Jack London em "O Chamado Selvagem"

24 de outubro de 2011

Livro publica fotos inéditas da expedição de Scott ao Pólo Sul

Provavelmente Demetri é quem aparece na imagem, treinando um grupo de cães - Cabo Evans, outubro de 1911


O historiador e estudioso da região polar David M. Wilson tomava uma bebida em um mercado de arte alguns anos atrás quando um colecionador desconhecido aproximou-se. ''Ele disse: 'Você não vai adivinhar o que eu tenho em minha coleção’'', lembra Wilson.

O colecionador era Richard Kossow e lhe disse que em 2001 havia adquirido um portfólio de fotografias da Antártica do início do século 20. Contudo, não eram fotos comuns da Antártida: as fotos eram da expedição de Robert Falcon Scott que durou de 1910 a 1913 e na qual ele vários homens – incluindo o tio-avô de Wilson, Edward Wilson – morreram ao regressar.

Além disso, não eram fotos de expedição quaisquer, contou Kossow: eram fotos tiradas pelo próprio Scott. ''Eu quase engasguei com o gim-tônica’', afirma Wilson.

Durante muito tempo, o paradeiro da maioria das fotos de Scott – tiradas nas proximidades do local de invernagem na ilha Ross e no caminho em direção ao polo – fora um mistério. Apenas uma ou duas dezenas haviam sido publicadas, sendo que muitas delas foram atribuídas a outras pessoas de forma indevida. As fotos não publicadas aparentemente permaneceram por décadas em um arquivo comercial.

Agora, à medida que se aproxima o centenário da morte de Scott, que faleceu em março de 1912, Wilson publicou todas as imagens em seu livro 'The Lost Photographs of Captain Scott’ ('As fotografias perdidas do capitão Scott’, em tradução livre) juntamente com descrições detalhadas do local e do momento em que foram tiradas, da melhor maneira que foi possível ao autor determinar.




Scott contratou Herbert Ponting, conhecido fotógrafo profissional de viagens. Nunca se esperou que Ponting realizasse a árdua viagem da ilha Ross ao polo com trenós, pôneis e cachorros. Em vez disso, ele ministrou um curso intensivo de fotografia a Scott e outras pessoas, ensinando-os a usar câmeras volumosas, lentes e filtros, e tirar a fotos com adequada exposição à luz em condições extremas.

A curva de aprendizagem foi bastante acentuada, mas Scott tornou-se um dos melhores alunos de Ponting. Muitos de seus fotógrafos provêm dessas sessões de treinamento.

Sophie Gordon está montando uma exposição de trabalhos de Ponting como curadora sênior da coleção real do Castelo Windsor e Frank Hurley, fotógrafo mais de uma época mais recente da Artártida, afirmou que Scott aprendeu bem com o professor.

''Ele realmente usou de sensibilidade artística’', afirma Gordon. ''As suas melhores fotos parecem com as de Ponting’', afirma.


Acampamento nas Montanhas Wild - 20 de dezembro de 1911

Pôneis em marcha - 02 de dezembro de 1911

Acampamento de inverno - outubro de 1911


Fonte: http://www.extremos.com.br/

17 de outubro de 2011

Destino de expedição do século XIX ao Ártico continua envolto em mistério

Tem sido descrito como uma das maiores histórias de horror da era vitoriana. Dois navios com 129 homens a bordo e equipados com a tecnologia mais avançada, desaparecem quase sem deixar vestígios. Cento e sessenta anos de pesquisa não encontraram o HMS Erebus e seu navio-irmão, o (um tanto apropriadamente chamado) HMS Terror - as duas embarcações perdidas no ártico.

O Erebus e o Terror

Em 1845, o capitão da Marinha Real Britânica, Sir John Franklin, partiu com alguns dos melhores marinheiros da época com a missão de mapear a Passagem Noroeste.  A expedição de Franklin não foi a primeira na região, mas foi a mais infame.

 “Porque esta [expedição] fracassou, ao contrário de todas as outras,” questiona o escritor William Battersby. “Houve algum evento terrível com a expedição.” Battersby é um dos muitos fascinados pelo mistério da última viagem de Franklin. “Nós amamos histórias de aventura, de arrojo, de luta contra todas as probabilidades, mas nessa história eles não o fizeram e continuamos sem saber por que.”

O ambiente da Passagem Noroeste é implacável. A paisagem é vasta e deserta, comparável apenas com as luas de Jupiter. Os invernos são implacáveis e sombrios. Os homens de Franklin foram confrontados com temperaturas e nevascas particularmente brutais quando alcançaram a região.

Apesar dos navios terem sido reforçados com aço e carregarem 3 anos de provisões, parece que o ambiente sobrepujou as tripulações. “O homem põe, Deus dispõe,” diz Bob Headland do Scott Polar Research Institute, que regularmente visita a região. “E os deuses do gelo são imprevisíveis.”

Sir John Franklin

O desaparecimento do Erebus e do Terror desencadeou a mais longa missão de busca da história: Apesar de haverem numerosas tentativas de encontrar os navios, não se descobriu nem sinal deles.

Ryan Harris da Parks Canada conduziu a mais recente missão a tentar localizar os naufrágios. Dois meses atrás, sua equipe passou horas varrendo o fundo do oceano, procurando em águas com até 50 metros de profundidade. “É uma história incrível. Um naufrágio no mais remoto Ártico, colocando o poderio industrial inglês contra a Mãe Natureza,” diz Harris.

Desde 1997 a Parks Canada tem gasto centenas de milhares de dólares na tentativa de localizar o Erebus e o Terror. A lenda da Expedição de Franklin enfeitiçou os canadenses – os naufrágios têm a “honra” de serem os únicos sítios históricos do Canadá que ainda não foram localizados.

“Franklin havia recebido ordens que selaram o seu destino,” explica Harris. “Dirigindo-se para sudoeste através do Estreito de Victoria eles atingiram o ponto de estrangulamento do gelo. Uma vez dentro da armadilha dessa área, estavam condenados. Não há muita vida selvagem e a região é totalmente isolada.”

O último relato conhecido do Erebus e do Terror veio em 1848. Um amontoado de pedras com uma mensagem informando que as condições precárias já haviam reivindicado as primeiras vítimas, restando apenas 105 homens vivos.

Franklin foi uma das primeiras vítimas de sua própria expedição. No mesmo ano os homens abandonaram seus navios, e arqueólogos acreditam que eles começaram a percorrer uma rota para o sul em uma tentativa desesperada de encontrar alimento.

Entretanto o ambiente hostil pouco colaborou, e com poucos animais para caçar e mais de 100 homens para alimentar, a possibilidade de sobrevivência era baixa. Acredita-se que os homens tenham recorrido ao canibalismo em seus últimos esforços para sobreviver.

Os arqueólogos confiam em histórias orais dos esquimós para tentar unir as partes do enigma. Baseado em seus relatos pensa-se que alguns dos homens viveram por outros três ou quatro anos após terem abandonado os navios.

Mas as perguntas permanecem sobre exatamente o que lhes aconteceu. Em 160 anos somente dois esqueletos e três corpos perfeitamente preservados foram descobertos. É provável que doenças como o escorbuto tenham reivindicado muitas vidas, mas Battersby acredita que podem ter sido os próprios navios que mataram os marinheiros.

Sua teoria é que os homens tenham sucumbido ao envenenamento por chumbo proveniente do sistema de tubulações internas utilizadas para derreter o gelo e produzir água para beber. Ele espera que a descoberta dos navios traga as respostas.


"Existe um encanto na história," reconhece Harris. "Resolver o mistério acabaria com o fascínio." Mas mesmo dizendo isso, Harris está determinado a continuar procurando até que o Erebus e o Terror sejam encontrados. A Parks Canada insiste que suas buscas não foram inúteis e que continuarão a recolher informações que possam ajudar com esforços futuros.

Mas após 160 anos é possível que essa lenda fique congelada no tempo para sempre. "Estes são os últimos navios-fantasma," diz Battersby. "É a maior história de fantasmas do mundo."


Fonte:

16 de setembro de 2011

Alex Honnold



No universo do Free Solo Climbing (escalada sozinho sem equipamentos de segurança) Alex Honnold é o melhor do mundo. Honnold, um garoto desajeitado e ligeiramente retraído se tornou um alpinista focado, gracioso e seguro de si, capaz de realizar as mais difíceis escaladas na modalidade free solo.

Aos 23 anos, escalou a via normal do Half Dome em solo, levando apenas 2 horas e 50 minutos. Apesar dele mesmo confessar que não foi a escalada solitária mais difícil que já tenha feito, foi sem dúvida a mais tensa psicologicamente.


O Half Dome

Para conseguir realizar o feito em solo, o americano havia escalado a mesma via em outras 3 oportunidades: primeiramente utilizando equipamentos para ascensão em artificial, depois ele a escalou em livre e, dois dias antes de entrar em solo, havia escalado em livre, com Brad Barlage, para ganhar segurança.

O único equipamento (além da sapatilha e do magnésio) que Alex levou, foram 400 ml de água.




Fontes:

15 de setembro de 2011

Jack Kerouac


"Kerouac foi um sopro de ar fresco... uma força, uma tragédia, um triunfo e uma influência duradoura, e essa influência ainda está entre nós." - Norman Mailer



Em 1957, Jack Kerouac publicava On the road e iniciava uma revolução cultural nos Estados Unidos. O livro tornou-se o manifesto da geração beat, que rompia com o conformismo do american way of life e pregava a busca de experiências autênticas, um compromisso selvagem e espontâneo com a vida até seus mais perigosos limites. Diante de uma sociedade que aniquilava o indivíduo, os beatniks queriam uma consciência nova, libertada de padrões, escolhiam a marginalidade, o encontro do êxtase através das drogas, a liberdade sexual, a manifestação das angústias, a procura da aventura no contato com o outro lado da América: os vagabundos, os desesperados, a estrada que não leva a lugar nenhum.

Jean Louis Lébris de Kerouac, um dos profetas dessa rebelião, nasceu em Lowell, Massachusetts, no dia 12 de março de 1922. Descendente de uma família de franco-canadenses, Jack Kerouac recebeu uma educação católica e, graças a suas virtudes como atleta, ganhou uma bolsa para estudar na Universidade de Colúmbia. Para Kerouac, um rapaz do interior, Nova York representou um choque pela sua sofisticação e enorme energia. No campus, conheceu o poeta Allen Ginsberg, também estudante, e William Burroughs, formado em Harvard. Os três iriam se tornar os principais representantes da geração beat.

Por intermédio de Burroughs, Kerouac tomou contato com escritores como Kafka, Céline, Spengler e Wilhelm Reich. Os três amigos passaram a conviver com a barra-pesada da Times Square, e Kerouac começou a experimentar maconha e benzedrina, vivendo parte do tempo num apartamento perto da universidade e outra parte com a família no bairro de Queens. Mas a grande influência de sua vida foi o encontro com Neal Cassady, um jovem que vivia perambulando pelos Estados Unidos, uma espécie de libertário apocalíptico. Em 1947, Kerouac resolveu sair pelo mundo e pegou a estrada. Sobrevivia com pequenos bicos aqui e ali, buscando a companhia fraternal dos vagabundos, dos trabalhadores itinerantes, dos caroneiros e da bebida. Em 1951, concluía On the Road
, com suas longas frases em que descartava o uso da pontuação. E Neal Cassady aparecia no livro transformado no personagem Dean Moriarty.

No ano anterior, Kerouac havia publicado seu primeiro romance, The Town and the City. Em seguida, vieram The Dharma Bums (1958), The Subterraneans (1958), Lonesome Traveller (1960), Big Sur (1962) Desolation angels (1965). Mas nenhum desses livros atingiu a repercussão e o vigor de On the Road. Para muitos críticos, Kerouac repetia-se com pequenas variações biográficas, e a sua busca de uma prosa espontânea tornara-se uma fórmula.

Esse grande rebelde existencial possuía idéias políticas conservadoras. Num de seus últimos textos, indagava-se como podia ter despertado contestadores ferozes como Allen Ginsberg, Timothy Leary e Abbie Hoffman. Kerouac foi sempre um individualista, e suas inquietações voltavam-se para a descoberta de um "eu" mais autêntico. Essa busca parece tê-lo encaminhado em direção ao budismo. Inadaptado até o fim, Kerouac isolou-se completamente nos últimos anos de sua vida. Recluso, dividia uma casa com sua mãe em St. Petersburg, na Flórida. Bebia compulsivamente, via televisão horas a fio, pintava quadros repletos de Cristos tristes e usava uma grande cruz no peito: tinha retornado à religião de sua infância, o catolicismo. A 12 de outubro de 1969, com quarenta e sete anos, Jack Kerouac morria de uma hemorragia estomacal provocada pelo excesso de bebida. 

No vigésimo quinto aniversário da publicação de On the Road, os grandes nomes da beat generation como Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso, Carl Solomon, William Burroughs e Michael McClure reuniram-se na Universidade do Colorado para homenagear Kerouac, o grande companheiro de viagem. William Burroughs declarou: "Tudo é permitido, nada é real. O legado de Kerouac é o da ternura". Em 1972, foi publicado seu último livro, Visions of Cody.


Trechos e Citações:

"A morte irá nos surpreender antes do paraíso."

"Para mim da tudo na mesma, contanto que seja excitante e de a volta ao mundo."

"E percebo que não importa onde eu esteja, seja em um quartinho repleto de idéias ou nesse universo infinito de estrelas e montanhas, tudo está na minha mente. Não há necessidade de solidão. Por isso, ame a vida como ela é e não forme idéias preconcebidas de espécie alguma em sua mente."

"O anonimato no mundo dos homens é bem melhor do que a fama no céu."

"Porque o silêncio em si é como o som dos diamantes que podem cortar tudo."

"Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância."

"Se a moderação é um defeito, a indiferença é um crime ."

"Que sensação é essa de estar se afastando das pessoas, até que delas, ao longe, na planície, você só consegue distinguir minipartículas, dissolvendo-se na vastidão do infinito? - é o mundo que nos engole, é a despedida. Mas nos inclinamos à frente, rumo à próxima aventura louca sob o céu."

"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam."

"Minha vida que não me ama, minha amada que não me quer. Seduzo as duas."

“Mas eu tinha minhas próprias idéias e elas não tinham nada a ver com a parte "lunática" de tudo aquilo. Eu queria comprar um equipamento completo com tudo que é preciso para dormir, abrigar-se, comer, cozinhar, na verdade uma cozinha e um quarto completos bem nas minhas costas, e partir para algum lugar e encontrar a solidão perfeita e olhar para o perfeito vazio da minha mente e ser completamente neutro em relação a toda e qualquer idéia.”

"Oh, esses caipiras burros, estúpidos, tapados, jamais mudarão, são completa e absolutamente estúpidos. Chega o momento de agir e eles ficam paralizados, histéricos, assustados - nada os amedronta mais do que aquilo que querem."

“A verdade da coisa é, você morre, tudo que você faz é morrer, e contudo você vive, sim você vive, e isso não é uma mentira.”

“A velha noite de verão canta. – É assim que eu vou dormir, sob as estrelas na varanda e ao amanhecer eu me viro com um sorriso alegre no rosto porque as corujas estão chamando e respondendo em dois enormes troncos de arvores mortas um em cada extremo do vale, uh, uh, uh.”

"...não havia lugar algum para ir senão todos os lugares, rodando sempre, sob as estrelas..."

" Quando vejo uma folha cair, sempre digo adeus."

"O viajante possui dois relógios que não se podem comprar na Tiffany's. Em um pulso o sol, no outro a lua. As mãos são feitas de céu."

"Não importa onde eu esteja, minha mochila esta sempre a mão, estou sempre pronto pra partir."

29 de agosto de 2011

John Haines



"O domínio físico do campo tinha seu equivalente em mim. As trilhas que eu fazia conduziam para fora, aos morros e pântanos, mas levavam para dentro de mim também. E do estudo das coisas no caminho, e de ler e pensar, veio uma espécie de exploração, eu e a terra. Com o tempo, ambos se tornaram um em minha mente. Com a força de acumulação de uma coisa essencial se realizando a partir do chão primeiro, encarei em mim mesmo um anseio apaixonado e tenaz - abandonar para sempre o pensamento e todas as complicações que traz consigo, tudo menos o desejo mais próximo, direto e penetrante. Tomar a trilha e não olhar para trás. A pé, com raquetes de neve ou de trenó, nos morros de verão e suas sombras tardias entregelantes - uma marca alta nas árvores, um rastro na neve mostraria para onde fui. Que o resto da humanidade me encontre, se puder!"


John Haines em "As Estrelas, A Neve, O Fogo: 25 Anos nas Regiões Selvagens do Norte"

24 de agosto de 2011

Viajando com Charley



We don't take a trip, the trip takes us. É com esta sentença agradável que John Steinbeck afirma com sabedoria este complexo entusiasmo que nos permite sempre sonhar em viajarmos desbravadoramente. Relatos de viagens e aventuras são como um ar fresco em nosso cotidiano, nossa prisão mental e nossa condição de sobrevivência a qual estamos atrelados. Elas possibilitam viver "o agora", o real significado da felicidade contemplativa, longe dos planos ordinários que sempre perseguem ilusoriamente a felicidade no futuro.

Viajando com Charley é um ótimo livro "leve e simpático" que resume muito bem o papel de um observador sagaz pela mistura de conhecimento e contemplação da vida - na verdade para qualquer viajante (mochileiros, trekkers, cicloturistas) a arte de viajar é semelhante a um bloco de notas vazio que pretende ser preenchido com grandes e inesperadas histórias.

Aos 58 anos, o escritor já era reconhecido como um dos grandes da literatura norte-americana. No prefácio deste travel book, uma breve divagação sobre como a idealização pela viagem transcorre pela chama de sua juventude e nunca morre com o avanço da idade - para alguns isto é tratado como um sonho pueril que ilusoriamente morre na juventude, para outros menos corajosos sempre há uma boa desculpa para a inércia cotidiana. Em especial ao trabalho do escritor, estes seres estão condenados ao sedentário trabalho de bunda na cadeira e escritório silencioso. Logicamente Steinbeck não fazia parte deste grupo, e boa parte de seus livros foram escritos em épocas de vagabundagem e um vasto conhecimento territorial e cultural dos Estados Unidos. Por ironia do destino, este homem amadurecido estava confortável em sua casa aconchegante à beira de um lago em Long Island com sua família, indiretamente esperando a morte chegar lentamente... enquanto no ano de 1960 sua América estava na entrada de um novo círculo conturbado de um presságio revolucionário de grandes mudanças: contra-cultura, Bob Dylan, Martin Luther King, Vietnã, Guerra Fria e o sonho americano do progresso desenfreado. É exatamente desta forma que o impacto deste diário de viagem serve como um relato histórico de pressentimento de novos ares e impressões deixadas em primeira mão deste escritor curioso.

- Resumidamente, ele documenta a viagem que teve com seu estimado poodle francês Charley em torno dos Estados Unidos, em 1960. Descreve como era movido por um desejo de ver seu país em um nível pessoal, já que ele ganhava a vida escrevendo sobre ele. Ele tinha muitas dúvidas entrando em sua jornada, sendo a principal delas: "Quem são os americanos de hoje?" No entanto, ele considerou que a "nova América" não fez jus às suas expectativas.

-De acordo com Thom Steinbeck, filho mais velho do autor, o verdadeiro motivo da viagem foi que Steinbeck sabia que estava morrendo e queria ver seu país pela última vez. Thom diz que ficou surpreso que sua madrasta (esposa de Steinbeck) permitisse que ele fizesse a viagem; por causa de sua condição de coração ele poderia ter morrido a qualquer momento.

Programado para viajar em um feriado, venceu o grande furacão Donna que poderia provocar o adiamento ou até o cancelamento dos planos - tal acontecimento rendeu a incrível façanha de salvar seu barco no meio do furacão. John começa o livro, descrevendo seu desejo de viajar ao longo da vida e seus preparativos para viajar o país novamente, após 25 anos. Tinha um caminhão equipado e carinhosamente chamado de Rocinante (o cavalo de Don Quixote) com um personalizado "motorhome" na carroceria e planejava sair depois do Dia do Trabalho de sua casa em Sag Harbor, Long Island. Analogias implícitas, o desbravador "velho e sonhador" nos moldes de Quixote e seu Rocinante também deveria ter a companhia de um amigo inseparável ao molde de Sancho Pança: seu cachorro sensitivo Charley que também é um personagem que rende momentos divertidos na leitura. Paralelamente a descrições de estrada, paisagem e estados de espíritos dos três heróis, Steinbeck nos fornece importantes reflexões de cunho social, político, ambiental e cultural.

Das impressões iniciais, em devaneio a excitação do começo da viagem, o autor sempre gosta de parar em pequenos postos e restaures de beira de estrada, para filtrar a comunicação com os habitantes de cada local. Sempre que falava de sua aventura recebia respostas surpresas de admiração e um tipo de inveja saudável de pessoas que desejam ardentemente saírem do cotidiano (o autor usava um quepe da marinha para não ser reconhecido).





Na verdade, Steinbeck nunca foi o tipo de conservador retrógrado, bucólico ou algo como ruralista - muito menos um progressista defensor do universalismo politicamente correto. Comparando ao seu admirador inglês George Orwell, os dois tinham muito em comum, porque estavam além da dicotomia esquerda-direita sócio-política: eram defensores ferrenhos da liberdade individual (libertários), críticos ferrenhos das religiões organizadas e do misticismo, tinham um visão bem prática acerca da realidade, adoravam a natureza e a vida selvagem mas não as idealizavam de forma fantasiosa. Os receios ao avanço tecnológico e comunicação massificada não vinham de uma ideia ultrapassada nem medrosa, e sim porque os dois (Orwell e Steinbeck) tinham cacife suficiente da má utilização e do desenfreado progresso dessa convulsão civilizatória ausente de qualidade e de um significado maior. Desde As Vinhas da Ira que essa complicada relação já era tratada, e os impactos no modo de vida das comunidades rurais e pequenas cidades com sua própria organização e cultura. De fato não se trata de posições ingênuas, mas de um farto conhecimento e observação no qual a leitura desta viagem comprova enfaticamente quando o autor entra em uma cidade grande e depois contrasta aos subúrbios e adentrando a vida rural. É aquela relação da migração e de povos que buscam viver o sonho ilusório das grandes cidades - a decadência de grandes centros urbanos que não conseguem lidar com tamanha necessidade de saneamento e qualidade de vida - e a consequente perda de senso de vida em comunidade. Particularmente, o que há de mais especial nesses relatos é o modo como o autor retrata o caos metropolitano, a sujeira, a correria e a solidão da multidão - antagonicamente ao modo de vida pacato das pequenas cidades, seus costumes ainda vivos, mas não mais intactos pela ameaça propagandista de um sonho urbano.

Além de tudo isso, temos grandes momentos de humor na relação com Charley, na sua capacidade de sentir o humor do seu dono e como os dois acabam compartilhando bons e maus dias na estrada. Paisagens naturais descritas com muita precisão e conhecimento, que deixam o leitor provavelmente bem interessado em conhecer pessoalmente tais lugares - por exemplo o belo Estado de Montana. Até a metade do livro, já percebemos a característica de jornalismo nato do autor, quando faz questão de conversar e observar os moradores de cada cidade. Traça paralelos de uma empatia com velhos agricultores, simpatia por trabalhadores, uma reflexão sobre o esporte de caça, uma antipatia com guardas rodoviários e um importante atestado de como o fator "medo" está tão presente nos habitantes de grandes cidades. Por exemplo, no percurso para Niágara Falls e algumas cidades do Centro-Oeste, ele pegou um desvio e se viu discutindo o seu desagrado pelo governo. Ele diz que o governo faz uma pessoa se sentir pequena, porque não importa o que você diga, se não for em papel e certificado por um funcionário (burocracia), o governo não se importa. Explica como estranhos falavam livremente sem cautela como uma sensação de saudade de algo novo e estar em algum lugar diferente do lugar que eram. Eles estavam tão acostumados com a vida cotidiana que, quando alguém novo vinha à cidade, estavam ansiosos para explorar novas informações e imaginar novos lugares. Era como se uma nova mudança tivesse entrado na sua vida cada vez que alguém de fora da cidade entrasse em seu Estado.

Viajando mais, John descobriu que a tecnologia foi avançando rapidamente com o propósito de dar a mais e mais americanos satisfação instantânea. Desabafa: "Eu me pergunto por que o progresso se parece tanto com a destruição." - uma fria conclusão acerca da carência qualitativa frente a riqueza quantitativa do seu país. Indo em direção aos Estados tradicionais do Sul, uma bela paisagem deixa a viagem mais bela: a contemplação da gigante e milenar Sequoia, e como ela faz o homem se sentir tão pequeno. Na chegada ao Texas, Steinbeck explora essa relação de amor e ódio ao Texas e na reação das pessoas constata uma verdade da política contemporânea: não existe mais ideal no político, onde todos transitam numa moral cinzenta e desvitalizante de democracia e senso comum, falta-lhe coragem suficiente para defender suas ideias por mais absurdas que sejam - um autêntico tapa na cara da fraqueza individual da chamada social-democracia moderna.





Já no final de seu percurso, ficamos de frente com uma questão histórica pela qual o país passava: os conflitos raciais. Mais precisamente em Nova Orleans, muita confusão acontecera devido a polêmica inclusão de jovens negros em escolas. Foi o começo de uma revolução que mudaria o rumo da história através de Martin Luther King. Mais precisamente Steinbeck fora filtrar informações dos acontecimentos em busca das chamadas "cheerleaders" (senhoras brancas conservadoras que faziam escândalo em frente as escolas - atraindo a atenção da mídia sensacionalista) que protestavam contra a integração de crianças negras em uma escola em Nova Orleans. Encontrou então o racismo do Sul e logo descobriu que o racismo não era só para os negros, mas também em relação aos judeus. Steinbeck, em seguida, experimentou o "bestial e sujo" do lado cristão branco e relatou com minuciosidade as atitudes histéricas das senhoras e do povo racista quando as meninas negras entravam na escola.

Com os aplausos e o elogio da multidão, Steinbeck percebe que não havia pessoas sensatas na cidade e que tinham "deixado a imagem de Nova Orleans deturpada para o mundo". Após o incidente, enjoado com os acontecimentos não desejava visitar alguns de seus lugares favoritos, temendo os radicais. Em busca de um lugar isolado, ele se sentou ao lado do "pai das águas", o rio Mississipi, e encontrou um homem que participara daquilo tudo como um observador. Depois de dar uma carona para um homem desconfiado, um aluno negro com raiva, e seguidamente para um homem branco racista, Steinbeck concluiu que as pessoas do Sul estavam com medo de mudar seu modo de vida, assim como eram os filhos da Londres do pós-guerra, e que a maioria das pessoas do Sul se mantem neste medo da mudança, apesar das obras dos inspirados em Gandhi e Martin Luther King.

Para declarar a sua própria posição, Steinbeck conta a história de uma família de negros conhecidos por ele durante sua infância em Salinas, Califórnia - a família Cooper. O Sr. Cooper era trabalhador, honesto, sóbrio, respeitável e os filhos acadêmicos e artisticamente dotados. Em outras palavras, eles representavam uma antítese das calúnias racistas que o autor tinha ouvido falar durante suas viagens ao sul. Seria então um incomodo fruto de uma decadência da até então sociedade elitista incomodada pelas mudanças igualitárias?

A jornada de Steinbeck conclui com um inferência ao Rocinante através de uma movimentada rua de Nova York, durante uma tentativa fracassada de fazer uma inversão de marcha. Como ele diz a um policial de trânsito: " Senhor...eu dirigi essa coisa por todo o país - montanhas, planícies, desertos. E agora estou de volta na minha própria cidade, onde moro. - E eu estou perdido”.


Texto: Eduardo Rodrigues

17 de agosto de 2011

On the Road


“...Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira vão chegar onde pretendem – e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles tem que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explicita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles. Eles sabem disso, e isso também os preocupa num circulo vicioso que não tem fim”.

Jack Kerouac em "On the Road"

15 de agosto de 2011

Caninos Brancos



"A floresta de abetos escuros orlava ambos os lados do gelado curso de água. Um vento recente arrancara às árvores o seu manto de geada, e elas pareciam inclinar-se umas para as outras, negras e agourentas, na luz agonizante.
Reinava sobre a paisagem um silêncio imenso. Aquela região era desolada, sem vida, sem movimento, tão só e gelada que a palavra tristeza não chegava para a descrever. Havia nela uma sugestão de riso, mas de um riso mais terrível que qualquer tristeza - um riso sem alegria, como o sorriso da esfinge, um riso frio como o gelo e com algo do horror da infalibilidade.
Era a sabedoria despótica e incomunicável do riso eterno perante a futilidade e os esforços da vida. Era a terra ártica, agreste e gelada."


Jack London em "Caninos Brancos"

12 de agosto de 2011

As Portas da Percepção



"O homem que vem cruzar de novo a porta da muralha jamais será igual ao que partira para esta viagem. Será, daí por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com a própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas,entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele busca, sempre em vão, compreender."


Aldous Huxley em "As Portas da Percepção"

9 de agosto de 2011

O Deserto



"O deserto é um ambiente de revelação, estranho genética e fisiologicamente. Sensorialmente austero. Esteticamente abstrato. Historicamente hostil.

Suas formas são nítidas e sugestivas. A mente é assediada por luz e espaço, a novidade cinestésica da aridez, alta temperatura e vento.

O céu do deserto é abarcante, majestoso, terrível.

Em outros habitats, a linha do céu acima do horizonte é quebrada ou obscurecida; aqui, junto com a parte acima da cabeça, é infinitamente mais vasta do que a do campo ondulado e a das florestas.

Num céu desobstruído, as nuvens parecem mais imponentes, refletindo às vezes a curvatura da Terra em suas concavidades inferiores. A angulosidade das formas terrestres do deserto empresta uma arquitetura monumental tanto à terra como às nuvens.

Ao deserto vão profetas e eremitas; pelo deserto cruzam peregrinos e exilados. Aqui, os líderes das grandes religiões buscaram os valores terapêuticos e espirituais do retiro, não para fugir da realidade, mas para encontrá-la."



Paul Shepard em "Homem na Paisagem: Uma Visão Histórica da Estética da Natureza"

Brasil terá estação científica no interior da Antártida

Atual estação Comandante Ferraz que fica a 62º, a nova estação
ficará a 84º de latitude sul.


O Brasil deve iniciar em dezembro a instalação do seu primeiro módulo científico no interior do continente antártico. A unidade conterá sensores que enviarão, via satélite, dados meteorológicos e ambientais ao País. Será a primeira estação brasileira dentro do continente gelado. A Estação Comandante Ferraz, criada em 1984, fica na chamada Antártida Marítima, na Ilha Rei George, a 130 quilômetros do continente.

O coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, Jefferson Simões, afirma que o módulo ficará a 84° de latitude sul, a cerca de 500 quilômetros do Polo Sul geográfico. Comandante Ferraz está a 62° de latitude sul.

A nova estação recolherá informações sobre temperatura, ventos, radiação solar e umidade. Também medirá os níveis de material particulado e gás carbônico que chegam ao continente.

Os cientistas brasileiros vão aproveitar a viagem para realizar uma exploração glaciológica: levarão uma sonda para perfurar 100 metros na camada de gelo. "Poderemos analisar a história climática dos últimos 500 anos", explica Simões, primeiro glaciólogo brasileiro e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).



28 de julho de 2011

Nepal lança o trekking mais difícil do mundo

Tour de trekking atravessa os Himalaias e colinas acima de seis mil metros. 
Os promotores foram inspirados pela Trilha Inca no Peru e na Trilha dos Apalaches na América do Norte.



O "A Grande Trilha do Himalaia" (GHT) é executado com mais de 1.700 quilômetros e em alguns lugares chega a altitudes acima de 6.000 metros, de acordo com os agentes Trekking da Associação do Nepal, que reconhece que poucos ousaram no novo caminho criado.

Será necessário pelo menos 157 dias para viajar todo o percurso que foi dividido em dez seções. Ao contrário de outras trilhas, uma parte muito importante da Grande Trilha do Himalaya não tem lodges (abrigos) para pernoite, os caminhantes devem levar todo o equipamento.

Apesar da falta de infra-estrutura, uma meia dúzia de empresas começaram a caminhada para promover e proporcionar as viagens, disse Bachchu Shrestha, vice-presidente da Associação dos Agentes de Trekking Nepal.

O Nepal recebe cada ano cerca de 124 mil pessoas que entram no país para fazer alguns dos seus circuitos de trekking. Quase todos estão concentrados em três áreas, de acordo com dados oficiais, a via de Annapurna, Langtang no centro do Nepal e o Trekking ao Everest.

Para fazer este longo trekking, tempo só não basta, mas também um bom prepraro físico. Também é necessário manter uma conta corrente muito saudável porque que a viagem custa cerca de R$ 54.000.

Para mais informações visite o site www.thegreathimalayatrail.org/
ou mais detalhe da trilha no mapa www.thegreathimalayatrail.org/ght-map/

27 de julho de 2011

Escalada em gelo no Brasil?

Os montanhistas Ricardo Baltazar, Fábio Lopes e o cinegrafista Vorlei Silveira (Luca) subiram a Serra do Rio do Rastro, divisa entre os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para escalar os 30 metros da Cachoeira da Poeira.

Cascata congelada de 30 metros, segurança de cima (top rope), escalada mista (drytooling).


Fonte:
http://www.extremos.com.br/
Ana Karina Belegantt

26 de julho de 2011

Humboldt e o montanhismo

O alemão Alexander Von Humboldt é conhecido mundialmente por suas contribuições para a ciência ao ponto de seu nome circular como o mais célebre pesquisador da época dos naturalistas. Humboldt foi além de cientista, um explorador e aventureiro e em sua viagem à América do Sul entre 1799 e 1804 realizou a primeira ascensão européia à uma montanha andina de grande porte.



Humboldt nasceu em Berlin, em 1769, filho de uma família nobre que lhe deu totais condições de educação. Humboldt estudou História, Línguas, Matemática, Economia, Física, Química, Comércio, Anatomia, Astronomia, História Natural, Geologia e finalmente Geografia, ciência que o considera patrono, pois Humboldt é chamado de o “pai” da Geografia Moderna.

Ainda na Europa, Humboldt desempenhou importantes cargos públicos em instituições mineiras e universidades na Alemanha. O conhecimento gerado por Humboldt, no entanto, advém de sua experiência como viajante naturalista e neste aspecto, as inúmeras ascensões e vivências nas montanhas andinas o levou a formular importantes hipóteses e teorias e mais tarde o influenciou a redigir, no final de sua vida, sua grande obra prima: O Cosmos.

Humboldt foi um grande precursor do montanhismo em uma época em que subir montanha era coisa para poucas pessoas. Não havia o montanhismo esportivo como existe hoje. A influência do montanhismo de Humboldt advém das primeiras ascensões ao Mont Blanc, na França, que marca inclusive o surgimento do montanhismo moderno, em uma época de grande ebulição cultural e intelectual da humanidade.

O século XVIII foi marcado pelos ideais iluministas, a ascensão da burguesia ao poder e uma retração dos ideais religiosos que perduraram durante a idade média. Ideais estes que persistiram nos rincões mais distantes da Europa e que muitas vezes entravam em conflito com as novas idéias. Era a ciência e os velhos costumes.


Humboldt e as primeiras ascensões à montanhas

Em 1760, o geólogo Horace Benedict Saussure chegou à Chamonix, pequena vila aos pés dos Alpes franceses para assentar sua base para pesquisar as geleiras e as montanhas. Nesta época a Geologia era uma novidade no mundo e este Geólogo suiço provocou estranheza ao povo local. Nem mesmo uma recompensa em dinheiro que seria dada à quem se atrevesse escalar a montanha mais alta dos Alpes, o Mont Blanc, para fazer seus experimentos, foi o suficiente para um corajoso se meter em subir a montanha.

Foi preciso 25 anos até que um criador de cabras, Jacque Balmat, se perdesse nas encostas do Mont Blanc e passasse uma noite por lá. Ficou à espera de demônios e dragões, mas eles não vieram. Balmat desceu a montanha e acompanhado do médico Gabriel Paccard escalaram o Mont Blanc em 1785, levando um ano mais tarde o famoso geólogo até o cume, que não somente pagou a recompensa, como fez medições e pesquisas lá em cima.
Saussure registrou dados sobre os fatos biológicos no cume, verificou a altitude do Mont Blanc, mediu a umidade atmosférica, velocidade do vento, observou a formação de nuvens e compreendeu o processo de geração de geleiras e sua dinâmica.

Escalada do Mont Blanc no século XVIII


A viagem de Humboldt à América do Sul, anos depois da aventura científica de Saussure, foi planejada por anos e inclusive influenciada por ela. Neste processo, Príncipe alemão fez amizade com o geólogo e se encarregou de estudar e melhorar diversos instrumentos de medição e pesquisa utilizados por ele, que ultrapassam mais de 40 tipos, entre bússolas, altímetros, barômetros entre outros.

A pesquisa deste ilustre príncipe sempre esteve relacionada, por um lado, com a quantificação de fenômenos naturais e por outro por uma visão romântica da natureza. Foram estes valores os que permearam os primeiros montanhistas modernos. Todos eles ilustres homens da ciência e muitos de ascendência nobre, que davam condições à eles a fazer longas viagens e não precisar trabalhar, já que nesta época quase não existia a classe média e só pessoas assim podiam praticar montanhismo.

O currículo de montanha de Humboldt foi extenso e conquistado ao longo de sua expedição ao novo mundo: O Pico do Teide em Tenerife (Ilhas Canárias), La Silla de Caracas, na Venezuela,  Volcão de Puracé e de Pasto, na Colômbia; os vulcões de Antisana, Guagua e Rucu Pichincha, Cotopaxi, Tungurahua, Chimborazo e Cerro del Chicle no Equador; o Nevado de Toluca e o Cofre de Perote, no  México. Muitas delas montanhas que ultrapassam os 5 mil metros, o que superou em muito a maior ascensão à uma montanha conhecida na época, a do Mont Blanc.

Como adicional às façanhas montanhísticas de Humboldt há que se adicionar o total desconhecimento dos efeitos de altitude no organismo humano, o desconhecimento do ambiente de montanha em si e ainda mais o efeito de ter sido o pioneiro em diversas destas ascensões. Além disso, vem o fato notável de uma de suas ascensões, pois na época acreditar-se que o Chimborazo era a montanha mais alta do mundo.

Apesar destes feitos extraordinários, motivação maior de Humboldt em subir montanhas não era montanhística, mas sim científica, pois sempre tinha o intuito de fazer suas medições, coletar rochas, minerais e plantas. No entanto, Humboldt sinalizou em muitos de seus relatos uma relação que ultrapassa a formalidade da ciência dele e as montanhas, em retratos românticos da vida selvagem.

Apesar de Humboldt receber o reconhecimento de ser o maior dos naturalistas, todos os valores herdados em Humboldt foi diretamente influenciado por Saussure, que esteve diretamente ligado com a conquista do Mont Blanc e o surgimento do montanhismo moderno, um montanhismo que neste momento inicial se fazia indissociável à ciência. No relato da ascensão do Chimborazo, maior conquista de Humboldt, o cientista alemão faz uma homenagem ao amigo:

'O ponto onde paramos para observar a indicação da agulha magnética, parecia maior do que qualquer outro homem havia chegado nos topos das montanhas excedido em 1.100 metros, o cume do Mont Blanc, onde o mais sábio e corajoso viajantes, De Saussure, teve a audácia de vir, a luta contra grandes dificuldades para aqueles que tivemos de superar, perto do cume do Chimborazo '


Humboldt e os vulcões do Equador


Humboldt e o Chimborazo


A maioria das montanhas ascendidas por Humboldt foram no Equador. Esta tarefa se deu pelo fascínio de Humboldt por vulcões, uma vez que ele via em sua energia as forças que criaram o universo, e também pelo fato de Humboldt achar que ali ficavam as maiores montanhas do mundo.

Para cumprir com este objetivo, o cientista alemão enfrentou um grande desafio, pois não ali o local de melhor acesso à uma montanha de altitude e nem mesmo o local de melhor clima para isso. Fez falta nas ascensões de Humboldt roupas, óculos, barracas e outros equipamentos, além de bons guias que conhecessem as montanhas e também tivesse comprometimento com as expedições.

Humboldt fixou residência em Quito, onde viveu por três meses a fim de fazer da cidade uma base para escalar o Antisana, Rucu e Guagua Pichincha e o Cotopaxi. Depois fez o mesmo em Riobamba, onde lançou investidas ao Sangay, Tungurahua, Carihuayrazo, Yana  Urcu e Chimborazo.

Em cada excursão Humboldt carregava as ferramentas para fazer as medições relevantes, o que é feito sob tropas de mulas. Somente nos metros finais das montanhas ou quando se depararam com a neve nas geleiras, ele desce dos animais e caminha, o que muitas vezes lhe rendeu problemas com a aclimatação, já que com animais, chegava rápido em altitudes elevadas.

Em geral, o cientista realizava uma investida à campo, para ter uma noção geral do território, calcular as posições geográficas das populações e destacar elementos importantes e fazer um mapa.Em seguida, estabelecia uma base num local estratégico para realizar medições precisas da altitude das montanhas e melhorar a cartografia e depois partia rumo ao cume.

Não havia uma seqüência lógica em suas subidas, que eram realizadas segundo critérios de proximidade e oportunidade. Para o Antisana, por exemplo, o primeiro da série e no centro de uma grande propriedade, se aproveitou da amizade com o proprietário para usar uma construção que servia como abrigo por alguns dias, localizado há 4.000 metros, 'lugar habitado mais alto do mundo', de acordo com seus registros.


Montanhismo e romantismo


A montanha é um elemento típico das paisagens românticas, assim como o mar e extensas planícies. São espaços alheios à intervenção humana e também, conseqüentemente desabitados. Paisagens como estas são muito associadas à sensação de liberdade e de certa forma, pessoas que acessam estes locais, seja aventura, conhecimento ou loucura acabam por transmitir esta sensação. Foi o que ocorreu com Humboldt, Saussure, Bonpland (parceiro de príncipe alemão na América) e até mesmo o famoso poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe.

Nas montanhas está a liberdade. As fontes de degradação  não chegam a regiões com ar puro. O mundo está bem nos lugares onde o ser humano não o polui com suas misérias”. Disse Humboldt certa vez.

Como não podia deixar de ser, Humboldt freqüentou as mesmas rodas sociais e intelectuais que Goethe, que também tinha grande vocação naturalista. Ambos tinham muitas coisas em comum, como destacar a natureza acima dos homens, a valorização da paisagem inacessível e trágica, a constante referencia à história natural e humana. Para eles, a natureza era o centro da atenção e o ser humano, dentre os quais incluíam eles mesmos, adquirem uma dimensão de meros expectadores. No paisagismo romântico, há uma obsessão por espaços nada ou pouco humanizados e frente a eles os seres humanos desaparecem e frente à isso, Humboldt atua como um “louco”, um “aventureiro” que reporta aos europeus não somente as riquezas naturais do ultramar, como também sua magnificência.  Valorizando a estética, o lúdico e o subjetivo. Valores até hoje embutidos na visão de natureza da sociedade ocidental.


Humboldt com o Chimborazo ao fundo


Humboldt eterno

Como resultado de suas explorações, Von Humboldt descreveu diversos aspectos geográficos e espécies que eram até então desconhecidos dos europeus. Espécies denominadas em sua homenagem incluem:

    Spheniscus humboldti - Pinguim Humboldt
    Lilium humboldtii - Lírio de Humboldt
    Phragmipedium humboldtii - uma orquídea
    Quercus humboldtii - Carvalho sul-americano
    Conepatus humboldtii - Espécie de cangambá (inglês:Hog-nosed Skunk)
    Annona humboldtii - Espécie de arbusto
    Annona humboldtiana - Espécie de arbusto
    Utricularia humboldtii - Planta carnívora (inglês: bladderwort)
    Geranium humboldtii- um gerânio
    Salix humboldtiana - salgueiro (árvore)

Aspectos e acidentes geográficos denominados em sua homenagem incluem a corrente de Humboldt, o rio Humboldt, a cadeia de montanhas East and West Humboldt Range, os condados estado-unidenses de Humboldt County, na Califórnia, e Humboldt County, no Iowa e o parque Humboldt no lado oeste de Chicago, a segunda maior montanha da Venezuela (Pico Humboldt) e uma corrente Marítima. Além disso, o mar lunar Mare Humboldtianum foi assim denominado em sua homenagem, bem como o asteroide 54 Alexandra.

Após sua morte, seus amigos e colegas criaram a Fundação Alexander von Humboldt (Stiftung em alemão) para manter o generoso apoio de Humboldt a jovens cientistas. Apesar de a dotação inicial ter se perdido durante a hiperinflação alemã dos anos vinte, e novamente após a Segunda Guerra Mundial, a fundação tem recebido apoio do governo alemão e tem um papel importante na atração de pesquisadores estrangeiros à Alemanha, possibilitando também a pesquisadores alemães trabalharem no estrangeiro por um determinado período.

Muitas vezes, a experiência de Humboldt é lembrada como sendo parte do campo das ciências. Porém é preciso lembrar que o montanhismo como conhecemos hoje não existia naquela época. O montanhismo como esporte surgiu décadas mais tarde, principalmente a partir de 1850 com os britânicos.

O montanhismo por motivações naturalistas e científicas de Humboldt fez dele uma das personagens mais famosas e reconhecidas da Europa, ficando atrás somente de Napoleão Bonaparte.

Em Humboldt temos um interessante capítulo em comum tanto na história da ciência, quanto na história do montanhismo.

Alexander Von Humboldt faleceu no dia 6 de maio de 1857, aos 89 anos. Seus restos mortais, antes de serem enterrados no mausoléu de seu castelo familiar em Tegel, foram transportados em funerais nacionais pelas ruas de Berlim, e recebidos pelo príncipe regente, a cabeça descoberta, na porta da catedral. O primeiro centenário de seu nascimento foi celebrado em 14 de setembro de 1869, com igual entusiasmo no Novo e Velho Mundo, e os numerosos monumentos erigidos e as novas regiões descobertas denominadas em sua honra testemunham a difusão universal de sua fama e popularidade.



Texto: Pedro Hauck

25 de julho de 2011

Os Vagabundos Iluminados



“Mas eu tinha minhas próprias idéias e elas não tinham nada a ver com a parte “lunática” de tudo aquilo. Eu queria comprar um equipamento completo com tudo que é preciso para dormir, abrigar-se, comer, cozinhar, na verdade uma cozinha e um quarto completos bem nas minhas costas, e partir para algum lugar e encontrar a solidão perfeita e olhar para o perfeito vazio da minha mente e ser completamente neutro em relação a toda e qualquer idéia.”


Jack Kerouac em “Os Vagabundos Iluminados”

Slow Travel




Escravo do lazer. Mesmo sem nunca ter ouvido essa expressão, você provavelmente já foi, sem perceber, refém dessa realidade. Basta se perguntar: você já planejou suas férias tentando preencher todas as brechas de tempo? Já se sentiu na obrigação de aproveitar cada segundo quando chegou ao destino? E a pergunta crucial: em algum momento parou para se perguntar o porquê de tantos compromissos em plenas férias?

Quando se chega a um local novo, é tanta descoberta que acaba sendo quase impossível não se deixar levar pelo ritmo de “tenho-que-aproveitar-as-24-horas-do-dia”, desabando numa correria desenfreada para visitar todos os museus e atrações famosas da cidade, explorar as liquidações e experimentar os pratos dos restaurantes famosos indicados nos guias de viagem.

Se você cismar mesmo de fazer tudo e de ir aonde a massa dos turistas vai, pode acabar passando mais tempo em filas do que curtindo. E, se tentar espremer várias cidades numa só viagem (outro desejo comum dos turistas), arrisca-se a passar boa parte das férias em trânsito, sem conhecer nenhum lugar direito (é o famoso “já que” estou na Itália, por que não aproveitar e dar uma esticadinha até a Croácia, por um ou dois dias?).

É fato que a chegada do século 21 fez com que velocidade e produtividade fossem sinônimos de sucesso. Notícias instantâneas, carros rápidos, aviões supersônicos e trens ultrarrápidos hoje em dia estão ao alcance de todos. Mas em tempos de um quase colapso planetário, novas prioridades vem sendo levadas em consideração: turismo de baixo impacto, redução das emissões de carbono, engajamento com comunidades locais e trabalho voluntário. Todos esses conceitos fazem parte de um movimento chamado Slow Travel, que se opõe a necessidade de usufruir ao máximo o tempo disponível, muitas vezes de maneira superficial, e propõe que os viajantes interajam profundamente com o local e a comunidade visitada, privilegiando a economia da região.

O nome Slow Travel vem de Slow Food, movimento criado na Itália no final da década de 1980 para contestar a padronização dos hábitos alimentares decorrentes da globalização e do aumento das redes de fast-food em todo mundo, e apoiar e divulgar a boa comida e um ritmo de vida mais lento.

Para os adeptos da Viagem Lenta, a pressa é a maior inimiga de uma trip perfeita e não seguir o fluxo do turismo normal é a melhor decisão que se pode tomar. Alguns adeptos mais radicais do movimento são contra, inclusive, o uso de aviões ou trens e indicam que se consuma apenas produtos orgânicos produzidos localmente (um pouco xiita demais, é verdade). Para os menos radicais, basta optar por desacelerar em vez de correr e , principalmente, buscar fazer escolhas conscientes.

O Slow Travel propõe um novo modelo de relação do turista com o lugar, para que ele se envolva com mais intimidade não só com o que se vê, mas também com a comunidade por onde passa. Afinal, só estando em contato com os locais é possível perceber e viver as diferenças em relação ao lugar em que você vive. E não é para isso que viajamos?


Seja lento – Confira algumas dicas para sua próxima viagem

  • Comece em casa. A chave para não se deixar levar pela pressa é seu estado de espírito. E isso começa antes mesmo de partir.
  • Já no destino, use o transporte público, alugue uma bicicleta ou ande a pé.
  • Reserve tempo e espaço para conviver com o povo local e, principalmente, com você mesmo.
  • Em vez de hotéis, tente alugar um apartamento ou uma casa, ou então fique numa guest house (casas em que a família aluga os quartos para viajantes). A internet facilitou bastante esse processo.
  • De preferência às lojas e mercados locais em vez das redes de fast-food mundiais.
  • Deixe o acaso agir de vez em quando. Perder uma conexão de ônibus pode criar novas oportunidades.
  • Faça o que os locais fazem e não o que os guias de viagem indicam.
  • Aprenda um pouco (ou muito) do idioma local e tente se virar com ele. Se precisar, use um dicionário. Com isso, você vai conseguir ler o jornal local e saber o que acontece na comunidade por onde está passando.

Acesse http://www.slowtrav.com/ e conheça mais sobre o movimento.



Fonte: Revista Go Outside - Edição 56 - Janeiro 2010
Texto: 
Fernanda Franco